Segundo um estudo da OMS (Organização Mundial da Saúde), a endometriose atinge entre 10 e 15% das brasileiras em fase reprodutiva. No mundo, a doença afeta 176 milhões de pessoas, e está presente na metade das mulheres que não conseguem engravidar.
De fato, a endometriose é um problema de saúde pública e a desinformação faz dele ainda mais grave. Para esclarecer alguns pontos, conversamos com os Drs. Nucelio Lemos e Gustavo Fernandes, do Núcleo de Neuropelveologia e Cirurgia Pélvica Avançada do Increasing.
Como definir a endometriose?
Equipe Increasing: A endometriose é definida pela presença de células endometriais fora da cavidade uterina. O endométrio é a camada interna do útero. Quando células desta camada são encontradas em outros órgãos, isso é chamado de endometriose.
A doença pode acometer mulheres de todas as idades? Qual é a faixa etária que mais apresenta a doença?
Equipe Increasing: Existem diversas teorias sobre a origem da endometriose. Alguns autores sugerem que as mulheres já nascem com essa alteração, outros estudos sugerem que é algo que ocorre após o início das menstruações, com o refluxo da menstruação pelas tubas uterinas (Trompas de Falópio). De maneira geral, o diagnóstico será feito durante a idade reprodutiva, ou seja, depois da primeira menstruação e antes da menopausa.
Quais são os sintomas mais frequentes?
Equipe Increasing: O ginecologista suspeita de endometriose quando a paciente apresenta alguns sintomas característicos, como cólica menstrual, dor na relação sexual e infertilidade. Muitas mulheres com endometriose profunda também se queixam de distensão abdominal, diarreia e dor retal no período menstrual, dores nas pernas, no períneo e no glúteo.
E os fatores de risco?
Equipe Increasing: Não existem fatores de risco bem definidos. Porém, a literatura médica sugere uma possibilidade de hereditariedade, ou seja, filhas de mulheres com endometriose parecem ter um risco aumentado para desenvolver a doença. Vale dizer que essa relação não é bem estabelecida e confirmada.
Como se realiza o diagnóstico?
Equipe Increasing: A suspeita diagnóstica é clínica, baseada nos sintomas da paciente como mencionado anteriormente: cólica menstrual de piora progressiva, dor na relação sexual e dificuldade para engravidar. Nem sempre a mulher apresentará todos estes sintomas e a suspeita vem pela experiência do médico. O exame físico ginecológico trará informações importantes para o médico e pode aumentar a suspeita diagnóstica. Exames de imagem, tais como a ressonância magnética e a ultrassonografia, podem confirmar a suspeita diagnóstica.
Classicamente, a laparoscopia é dita o padrão ouro para o diagnóstico da endometriose. No entanto, com o avanço da qualidade dos métodos de imagem, os maiores especialistas em endometriose no mundo vêm advogando que o diagnóstico por imagem deve ser aceito como definitivo, a fim de evitar o risco de cirurgias desnecessárias. Nós, no Increasing, seguimos essa linha e confirmamos nosso diagnóstico com a ressonância magnética ou ultrassom especializado para mapeamento de endometriose.
E quais são os tipos de endometriose?
Equipe Increasing: As formas de apresentação de endometriose variam muito – desde mínimos implantes superficiais, até formas infiltrativas muito agressivas, que invadem as paredes pélvicas, o intestino, bexiga e até nervos do quadril. Há também formas mais atípicas da endometriose, que acometem o pulmão e o diafragma. Mais raramente ainda, há casos descritos no nariz, articulações e até nas meninges.
Como a doença pode ser tratada?
Equipe Increasing: O tratamento da endometriose envolve duas estratégias: a clínica e a cirúrgica. O objetivo do tratamento clínico é o controle da dor e envolve o uso de medicamentos e o tratamento multiprofissional da dor, com fisioterapia pélvica, acupuntura etc.
O tratamento cirúrgico é indicado quando a paciente apresenta risco de perda permanente de função, como na endometriose causando obstrução intestinal, dos ureteres (o que danifica os rins) ou acometimento nervoso.
Outra indicação do tratamento cirúrgico é a associação da infertilidade e dor. Como o tratamento medicamentoso inclui, na maioria dos casos, a supressão da ovulação, o tratamento da infertilidade se torna impossível nos casos em que a dor não pode ser controlada somente com a terapia multiprofissional e medicamentos anti-inflamatórios.
Finalmente, a causa mais comum de indicação do tratamento cirúrgico é quando o tratamento clinico falha.
Diante de tantas opções, tratamento deve ser individualizado e definido juntamente com a paciente de acordo com seus desejos e sintomas, por uma equipe que seja capaz de disponibilizar todas as modalidades terapêuticas para cada caso.
É possível engravidar com endometriose?
Equipe Increasing: Sim; a maioria das mulheres com endometriose consegue engravidar sem problemas. Este é um ponto em que existe muita desinformação. Existe uma correlação entre infertilidade e endometriose – sabe-se que 50% das mulheres que não conseguem engravidar têm endometriose. Portanto, o que se sabe é que a infertilidade está associada à endometriose; não existe um nexo causal direto entre endometriose e infertilidade. Em termos mais simples, ninguém pode dizer que uma mulher é infértil, somente porque ela tem endometriose, independente da gravidade. O diagnóstico de infertilidade é dado por um ano ou mais de tentativa de gravidez, com relações sexuais frequentes (2 ou mais vezes por semana) sem gestação.
Ainda neste tópico, o que se sabe é que o tratamento cirúrgico da endometriose melhora as chances de pacientes em tratamento para infertilidade.
Quem tem a doença pode vir a desenvolver outro tipo de doença correlacionada?
Equipe Increasing: A maior preocupação em mulheres com endometriose é o desenvolvimento da síndrome da dor pélvica crônica. A exposição crônica a estímulos dolorosos causa alterações estruturais no sistema nervoso, fazendo com que estímulos leves sejam percebidos como dolorosos e aumentando o risco de depressão e outros distúrbios do comportamento.
Mais frequente ainda é a síndrome miofascial do assoalho pélvico que é a contração involuntária da musculatura pélvica causando dores e sintomas urinários e intestinais. O principal tratamento da síndrome miofascial do assoalho pélvico é a fisioterapia pélvica.
Muito tem se falado também sobre uma associação entre endometriose e câncer de ovário e endométrio. Realmente, a inflamação crônica causada pela endometriose parece aumentar ligeiramente o risco desses tipos de câncer. No entanto, Equipe Increasing não acha que este fator deva ser levado em consideração para o tratamento da endometriose, uma vez que os riscos da cirurgia radical são maiores que o risco do câncer em si.
Endometriose tem cura?
Equipe Increasing: Sim. O tratamento radical, multimodal e multidisciplinar da endometriose elimina os sintomas em mais de 80% dos casos. Uma exceção a esta regra são os casos de endometriose ovariana em que o ovário acometido é preservado, no qual há 50% de recidiva dos sintomas. Outra exceção importante é a adenomiose, que é a infiltração do endométrio nas paredes do útero. Nestes casos, o único tratamento cirúrgico possível é a retirada do útero, que não é possível em mulheres que ainda desejam engravidar.
Como mensagem final, gostaríamos de dizer que existe um grande estigma em torno do diagnóstico de endometriose e a crença de que é uma doença incurável e que trará dor e necessidade de múltiplos tratamentos cirúrgicos. Isso não é verdade e muitas vezes conseguimos tratar a doença de forma definitiva e bem sucedida, desde que um plano terapêutico completo seja traçado e executado.