É comum haver uma porção de dúvidas sobre o que acontece antes, durante e depois do estudo urodinâmico, o que acaba gerando ansiedade e tensão naqueles que precisam passar por isso. Aliás, muitas vezes o exame é postergado por medo, e assim adia-se o tratamento de perda de urina por anos.
Com um pouco mais de informação, certamente essas dúvidas seriam facilmente esclarecidas e o procedimento se tornaria mais tranquilo e proveitoso, tanto para o paciente quanto para o profissional que o solicita.
O objetivo deste artigo é, de forma simples, desmistificar o exame, suas etapas e objetivos, para que as situações aqui descritas não sejam mais parte da rotina relacionada a ele.
O que define o estudo?
O estudo urodinâmico é um exame complementar usado para avaliar o funcionamento da bexiga e da uretra durante as fases de enchimento e esvaziamento, sendo capaz de detectar o funcionamento normal destes órgãos. O procedimento também é capaz de simular queixas referidas pelo indivíduo (tais como perdas de urina aos esforços ou involuntárias) ou, até mesmo, registrar possíveis alterações que não são percebidas clinicamente.
A bexiga, em seu funcionamento normal, se mantém relaxada durante a fase de enchimento, enquanto a uretra se mantém fechada e contraída. Esta atividade simultânea permite que a urina seja armazenada aos poucos, até um volume em que a bexiga esteja cheia e pronta para se esvaziar.
A percepção da “bexiga cheia” se dá pelo transporte de informações por meio do sistema nervoso que envolve a bexiga, a medula e o cérebro. A partir deste reconhecimento inicia-se o processo de esvaziamento, no qual o músculo da bexiga se contrai e a uretra relaxa, permitindo um movimento coordenado para a saída da urina de dentro da bexiga. Qualquer alteração nessa coordenação pode causar problemas miccionais e sintomas urinários.
Com isso, o estudo urodinâmico consegue avaliar todo este processo e suas alterações através de medidas de fluxo urinário e pressões (de dentro da bexiga e de dentro do abdome), simulando o enchimento e o esvaziamento da bexiga em condições mais próximas do normal possíveis. Isso é feito em algumas etapas.
Sempre há uma breve entrevista antes do início do exame. Na ocasião pergunta-se os motivos da indicação do exame. A partir daí, as queixas urinárias serão minuciosamente exploradas para que a execução do teste seja totalmente direcionada para a investigação do sintoma principal.
Outras orientações, como o preparo e troca de vestimentas, são repassadas nesse momento. Normalmente sugere-se a retirada dos calçados e da parte de baixo da vestimenta, em seguida, coloca-se um avental e protetores para os pés.
Urofluxometria, a etapa do esvaziamento
A pessoa chegará ao local do exame com a bexiga confortavelmente cheia, ou seja, com uma vontade moderada de fazer xixi. Caso esta sensação não esteja presente, aguarda-se até que o desejo surja ou, ainda, orienta-se a ingestão de alguns copos de água durante a espera até o início do exame.
Em seguida, o paciente é orientado a se sentar em uma cadeira semelhante a um vaso sanitário; nela, geralmente, está acoplado um funil direcionado para um frasco sobre uma balança. É neste aparato que será realizada a primeira micção, da forma mais natural e relaxada possível, o mais próximo de como acontece no dia a dia.
Nesta fase se obtém informações sobre o esvaziamento da bexiga, ou seja, a força e características do jato, quantidade e duração da micção, necessidade de manobras de esforço ou auxílio para urinar, que serão registradas e analisadas.
Ao fim, será passada uma sonda fina pela uretra, que servirá para investigar se sobrou alguma urina dentro da bexiga e assim realizar a medida do volume drenado, quando presente.
Nesta fase é possível sugerir se há algum tipo de obstrução para a saída da urina, ou ainda se há alguma ineficiência do músculo da bexiga em se contrair durante seu esvaziamento.
Cistometria, a etapa do enchimento
Para esta essa fase deve ser colocada uma sonda na bexiga através da uretra, que é por onde serão realizados o enchimento e a medida da pressão intravesical. A sonda é bem fina mas, eventualmente, pode provocar um discreto incômodo durante sua passagem, visto que a parte interna da uretra é bastante sensível. No entanto, sentir dor não faz parte de um exame normal.
Também será necessária a passagem de uma sonda retal, com o objetivo de medir a pressão de dentro do abdome. Esta sonda também é fina e causa apenas uma sensação de pressão na passagem pelo canal anal, não gerando nenhum desconforto após a aplicação.
Com estes cateteres bem posicionados, é possível monitorar as variações de pressão dentro da bexiga e do abdome, e, de forma complementar, medir a pressão realizada pelo músculo detrusor, responsável pelas contrações da bexiga. Estas medidas são realizadas durante o enchimento vesical com uma solução de soro fisiológico ou água destilada, que fará a função da urina.
Neste processo, observa-se o comportamento da bexiga, e são simuladas situações em que ocorrem as principais queixas, como perdas urinárias e urgência miccional. Será solicitada a realização de manobras de esforço e tosse, com o objetivo de provocar escapes de urina. Pode ainda ser sugerida a mudança de posição (de sentado para em pé, por exemplo) ou, ainda, promover uma distensão mais rápida da bexiga, para que ela seja estimulada a apresentar urgências e perdas involuntárias.
O enchimento será feito até a capacidade máxima da bexiga, quando o indivíduo relatar uma vontade bastante forte de urinar ou quando ocorrer uma perda involuntária não motivada por esforço.
Nesse momento do exame avaliam-se distúrbios de armazenamento urinário. Serão detectadas e analisadas as alterações que provoquem a contração do músculo da bexiga fora de hora ou o relaxamento e abertura da uretra, o que permite o escape da urina.
Estudo fluxo-pressão
Está é a etapa final do exame. Quando se atinge a capacidade máxima da bexiga, será dada a permissão para urinar. A pessoa sentada, ou em sua posição habitual de micção, estará autorizada a urinar, desta vez com a presença das sondas, que terão o papel fundamental na medida das pressões durante o esvaziamento vesical.
No estudo fluxo-pressão avaliam-se as relações do fluxo (velocidade do jato) com as pressões realizadas pelo músculo da bexiga e pelo abdome. Com isso pode ser avaliado o bom funcionamento da musculatura vesical, se há algum sinal de fraqueza da mesma, e se há sinais de obstrução abaixo da bexiga que demandem aumento de esforço do abdome ou da bexiga e que causem redução do fluxo urinário.
Após esta fase realiza-se uma nova medida de resíduo pós miccional, para avaliar o quanto restou de urina após o esvaziamento final. E ao fim desta etapa, as sondas são retiradas e o exame é encerrado.
Como explicado antes, o exame é direcionado à queixa do indivíduo, logo, serão feitas as adaptações e manobras necessárias individualmente para cada caso. Pacientes que não urinam espontaneamente — por exemplo, portadores de lesão medular ou quadros neurológicos — não serão submetidos às fases de esvaziamento. Quando a queixa principal for de perda urinária relacionada aos esforços, podem ser solicitadas para simular as situações de perda algumas manobras como salto, corrida, mudança de decúbito ou tosse.
Em outros casos, principalmente em suspeita de acometimentos neurológicos ou de incoordenação entre bexiga e esfíncteres, pode ser associada ainda uma forma de avaliação da contração do esfíncter por uma técnica de eletromiografia. Neste caso, com o auxílio de alguns eletrodos colados na pele, próximo ao esfíncter anal externo (na borda do ânus), monitorizam-se os estados de contração e relaxamento muscular durante a micção.
O seguimento destas etapas, associado a uma boa comunicação entre o médico que as realiza e o indivíduo submetido ao exame, faz com que o processo corra de forma tranquila, ao longo de 40 a 60 minutos, sem desconforto ou complicações.
O estudo urodinâmico conta com alguns procedimentos invasivos, e por isso conta com indicações precisas, devendo ser solicitado apenas quando pode acrescentar algo relevante para o diagnóstico, tratamento e/ou seguimento de alguma questão urinária. Cabe ao profissional que o indica conhecer tais circunstâncias, buscando respostas claras para perguntas objetivas sobre cada caso.
Explanar sobre o exame também é fundamental. Orientações de cunho prático, como indicações de locais e profissionais de confiança devem ser abordadas no momento da consulta, como opções a serem seguidas pelo paciente.
Quando se trata de disfunções miccionais, esta técnica para avaliação da função urinária é o que há de mais avançado. Quando bem feita e bem compreendida, pode oferecer dados fundamentais para um bom tratamento.
Por Dra. Augusta Morgado, CRM-SP: 144475