Dor à atividade sexual é um sintoma que pode ocorrer desde sempre, ou pode surgir em algum momento ao longo da vida. E são várias as razões para que isso aconteça. Dispareunia (dor à atividade sexual) e Vaginismo (impedimento parcial ou completo à penetração), estão frequentemente associadas e recebem o nome de “Distúrbio de dor e penetração gênito-pélvica”.
Observa-se que a falta de conhecimento sobre sexualidade e função sexual e a estimulação ineficaz de ambos as parcerias, podem prejudicar ou mesmo impedir uma experiência sexual satisfatória.
A pelve é sede de órgãos cujas funções são bem específicas, mas pouco conhecidas e compreendidas pelo leigo. As funções contidas nessa parte do corpo são basicamente:
● Alocação dos órgãos (útero, trompas, bexiga) nos seus devidos lugares
● Continência de urina e de fezes
● Micção – ato de urinar, ou esvaziar a bexiga
● Defecação – ato de esvaziar o intestino
● Função sexual.
São os mesmos músculos e os mesmos nervos. Uma disfunção pode, eventualmente, alterar e prejudicar outra.
Dor à atividade sexual é um dos sintomas da chamada Disfunção Sexual, definida como uma “falha ou problema, em atingir e completar o ciclo de resposta sexual, o que causa desconforto e/ou dificuldade interpessoal”. Inclui distúrbios de reduzido interesse ou desejo de se engajar em atividade sexual, dificuldade de estar subjetivamente e/ou genitalmente excitada, dificuldade em desenvolver desejo durante o envolvimento na atividade sexual, distúrbio de orgasmo e dor.
Trata-se de condição clínica comum e complexa, de múltiplas causas, e frequentemente associada a outras morbidades. Uma mesma pessoa poderá apresentar várias disfunções sexuais ao mesmo tempo, razão pela qual seu tratamento também será, frequentemente, multimodal e multidisciplinar. Se não tratada, a disfunção pode comprometer a qualidade de vida da mulher e do casal, acarretando diminuição de autoestima e prejuízo interrelacional.
As disfunções sexuais femininas passaram a ser mais bem compreendidas a partir dos anos 2000, com os estudos da dra. Rosemary Basson e seus colaboradores. Os pesquisadores observaram que uma mulher pode iniciar uma relação sexual sem sentir desejo, excitar-se fisicamente e prosseguir até a satisfação... ou não. Sua participação no jogo sexual ocorreria, inicialmente, por necessidade e desejo de intimidade, para agradar a parceria ou a si mesma, por exemplo. No entanto, observa-se, há mulheres que relatam satisfação sexual mesmo na ausência de orgasmo, ou aquelas que, mesmo na presença de orgasmo relatam insatisfação sexual.
Alguns fatores podem contribuir negativamente às dificuldades sexuais apresentadas por um ou ambas as parcerias, razão pela qual se recomenda que o casal (parceria homo ou heterossexual) seja avaliado no momento oportuno. Entre esses fatores citam-se o estado de saúde e comorbidades, relacionamento conturbado, falta de comunicação ou má imagem corporal. História de abuso sexual ou emocional, depressão, ansiedade, perda de emprego e luto também podem estar entre os fatores complicadores para a saúde sexual, somando-se ainda idade, além de critérios culturais e religiosos. Fatores como medo ou ansiedade, em antecipação ou durante a penetração, ou ainda acentuada tensão dos músculos do assoalho pélvico durante tentativa de penetração exercem influência no grau de dificuldade e dor.
A intensidade da dor ou do desconforto da paciente indicam a gravidade do sintoma. Pode ocorrer a qualquer momento, como durante as atividades preliminares, durante qualquer penetração (também no sexo oral), ou no período do orgasmo (excitação e/ou orgasmo extremos), podendo ou não incapacitar o intercurso, ou ocorrer no período de resolução, persistindo por tempo prolongado. Há relatos de dores espasmódicas na região pélvica ou abdominal.
Mulheres podem relatar dor durante qualquer tipo de penetração por toda a vida, após trauma local ou afecções como herpes, candidíase, entre outras.
As causas da dor sexual são multifatoriais, apresentando aspectos anatômicos, biológicos e fisiológicos, psicoemocionais e inter-relacionais. As comorbidades representam tópico especial a ser considerado e os profissionais devem estar atentos a que o diagnóstico será ocasionalmente completado ou alterado após diversas consultas ou sessões de tratamento. Doenças crônicas como asma, bronquite ou diabetes mellitus, cardiopatias, doenças neurológicas ou infecções, além de medicamentos, afetam direta ou indiretamente a capacidade responsiva na atividade sexual.
Estudos apontam que a disfunção sexual é mais prevalente em mulheres que em homens (43% contra 31%) e a falta de interesse foi a queixa sexual mais frequentemente reportada.
No Brasil, estudo populacional com 1219 mulheres, 49% delas reportaram ao menos uma disfunção:
● Falta de interesse sexual: 26,7%
● Disfunção orgásmica: 21%
● Dor durante o coito: 23,1%
Há ainda que salientar que a incontinência urinária ou fecal pode ocasionar extremo embaraço em ambos as parcerias, com consequências como evitação sexual ou contração dos músculos do assoalho pélvico para reter incontinência, o que pode levar ao desinteresse sexual e dor.
O sintoma perda de ar vaginal, com ou sem ruído, é muitas vezes manifestado no cotidiano, ao se abaixar, praticar esportes ou na relação sexual. As mulheres descrevem desconforto, vergonha, culpa, medo, fuga ao convívio social, disfunção e abstinência sexuais.
Dores musculoesqueléticas tendem a alterar o ciclo de resposta sexual e causar ou agravar a dispareunia, aumentando o temor da dor e levando ao desinteresse e à diminuição da libido sexual.
A avaliação da mulher com disfunção sexual deverá ser ampla, sempre com anamnese completa, história sexual detalhada, parcerias sexuais ao longo da vida, exame físico geral e genital específico. A colaboração profissional com outros especialistas contribui para a identificação de causas e tratamentos adequados.
Tratamento
Assim como as alterações do exercício da função sexual são multifatoriais, também seu tratamento envolve profissionais de diferentes disciplinas e múltiplas abordagens, com frequência associados.
Mulheres com sintomas na região genital podem apresentar piora em razão de higiene inadequada, por vezes excessiva. Essas questões devem ser consideradas e discutidas com a paciente e o ginecologista. De modo geral, sabonetes líquidos e neutros são mais indicados para manter íntegra a pele da vulva. Ducha interna na vagina é totalmente inadequada por alterar a flora local e torná-la vulnerável a infecções. Esses casos, assim como queixas de secura vaginal, comuns na menopausa, são tratados pelo ginecologista. Já a hidratação da pele da vulva, ou proteção local, pode ser alcançada por meio de óleo de amêndoa doce ou pomadas comumente utilizadas em assaduras de bebês. Enxaguar nos genitais após a lavagem dos cabelos, especialmente após o uso do condicionador, evita que resíduos do produto permaneçam e irritem a região, especialmente em mulheres com pele mais sensíveis.
A fisioterapia pélvica se vale de inúmeros recursos de tratamento para sintomas de dor sexual. O exame muscular visa a determinar o tônus e a habilidade no controle do movimento, a identificar pontos de hipertonia ou de hipotonia, e pontos hipersensíveis ou dolorosos. Os músculos peri-vaginais e os levantadores do ânus têm um sistema de comando duplo, reflexo e voluntário, de abertura e fechamento. A disfunção e a inversão de comando podem estar na origem dos reflexos de fechamento nos casos de vaginismo ou anismo, assim como nas dificuldades de excitação e lubrificação. Mulheres que tiveram gestações com muito aumento de peso ou partos complicados, com consequente estiramento dos nervos que inervam os músculos do períneo tendem a sofrer danos de força e de sensibilidade, com prejuízo da qualidade de vida sexual.
Queixas de dor na coluna lombar, principalmente, são frequentemente acompanhadas de rigidez dos movimentos da pelve, alteração do tônus dos músculos pélvicos e dos membros inferiores, além de dores nas articulações coxofemorais, que interferem na atividade sexual.
Todos esses componentes, associados à dor de penetração propriamente dita, são tratados em seus devidos tempos, assim como a educação da paciente em relação ao corpo humano, especialmente quanto aos genitais e suas funções. A informação/educação sexual apresenta-se como etapa essencial do tratamento, obtendo-se a colaboração da paciente e seu engajamento no gerenciamento de seu próprio corpo.
Deve-se ter em mente que a função sexual é complexa e não apenas mecânica. O erotismo faz parte da saúde sexual do ser humano e as pacientes devem estar voltadas para suas sensações e impressões físicas e emocionais.
Exercícios sexuais são comumente orientados por psicoterapeutas e psiquiatras sexólogos. Com a ressalva de que tais exercícios são apenas orientados verbalmente e que muitas mulheres apresentam dificuldade de compreensão e de percepção corporal, é valioso que os fisioterapeutas especializados em saúde da mulher auxiliem suas pacientes nessas práticas.
Com frequência, o próprio parceiro não tem noção do funcionamento do corpo da mulher e tampouco ela o informa sobre isso. Por isso, leituras especializadas podem assumir caráter não somente informativo como especialmente excitantes.
A mobilidade muscular promove o aumento da vascularização, o desenvolvimento da percepção e modulação da sensibilidade. Assim, por meio de exercícios especiais, ultrassom terapêutico, eletroestimulação ou biofeedback, entre outros recursos, o fisioterapeuta pode tratar as questões físicas envolvidas nas dificuldades sexuais e dor.
Sexualidade em condições especiais. O fisioterapeuta, em qualquer área de atuação, precisa estar atento a pacientes em condições especiais de reabilitação.
Aqueles que apresentam sequelas por lesão medular ou encefálica, os portadores de próteses ortopédicas, artrite reumatoide, doenças cardiorrespiratórias, diabetes mellitus, câncer, dentre outras condições, têm sua autoestima e confiança prejudicadas, além de apresentarem limitações físicas. No entanto, frequentemente sua sexualidade não estará adormecida, e há razões para ampliar seu nível de informação sobre sexualidade, atividade sexual e erotismo, bem como de sua parceria.
Conclusão
Enfatizamos o caráter interdisciplinar do tratamento das disfunções sexuais. Se, por um lado, os aspectos psíquicos devam ser abordados pelo psiquiatra e pelo psicoterapeuta, por outro, os aspectos essencialmente físicos do tratamento podem ser mais bem conduzidos pelo fisioterapeuta. Este, por sua vez, deve conhecer os aspectos e saberes das outras especialidades que tratam suas pacientes. A interlocução beneficia enormemente a paciente, além e contribuir para o crescimento intelectual e profissional de todos.
*A Dra. Mara de Abreu Etienne Ethel – CREFITO: 1067-F , fisioterapeuta pélvica, especialista em sexualidade humana e especialista em administração hospitalar do time INCREASING, escreveu este artigo.